domingo, 19 de dezembro de 2010

As Crônicas de Narnia - A Viagem do Peregrino da Alvorada

An Enchanting Journey on Board the Dawn TreaderImage by coolinsights via FlickrAssisti há poucos dias a adaptação cinematográfica do 3° livro das Crônicas de Narnia, A Viagem do Peregrino da Alvorada. Como fã da série (e também do C.S. Lewis) posso resumir o filme com uma palavra: decepção.

Vou traçar meus comentários abaixo. Quem não viu o filme ou não leu o livro e ainda pretende fazê-lo, não leia estes comentários, pois eu vou dedurar muito do que se passa. Se quiser desconsiderar este aviso, faça por sua própria conta!

Obviamente que o enredo do filme não é necessariamente uma cópia do livro. Nada mais normal, visto que sempre existem mudanças necessárias em adaptações para o cinema. Porém (um grande porém), tive a impressão que o enredo foi escrito por alguém que não se importava com o significado daquilo que o C.S. Lewis escreveu. Adaptação é uma coisa, alterar o sentido é outra.

Falando em linhas gerais, o enredo do filme gira em torno do problema de uma estranha névoa verde, que tem o poder de capturar pessoas. No decorrer do filme os heróis descobrem que precisarão encontrar as espadas de sete fidalgos desaparecidos, pois o poder da névoa acabaria se essas espadas fossem colocadas sobre a mesa de Aslam.

No livro, no entanto, o fio condutor é a busca dos mesmos sete fidalgos desaparecidos, não com o objetivo de lhes emprestar/tomar/roubar as espadas (mesmo porque essas nem existem no livro), mas com o objetivo de os encontrar, para cumprir uma promessa feita por Caspian no dia de sua coroação, visto que tais fidalgos eram amigos de seu pai. Além disso, existe um outro objetivo mais elevado, que reproduzo aqui na forma que se encontra no livro:
- Exatamente, lorde Rupe - disse Caspian. - Esta é a minha intenção principal. Mas o Ripchip aqui tem mais altas esperanças. - Todos os olhos se viraram para o rato.

- Tão altas quanto o meu espírito. Ainda que, talvez, tão pequenas quanto a minha estatura. Por que não haveríamos de chegar ao extremo oriental do mundo? Que poderíamos encontrar lá? Espero encontrar o próprio país de Aslam! É sempre do Oriente, através do mar, que o Grande Leão vem encontrar-se conosco. (C.S. Lewis, As Crônicas de Narnia, Volúme único. São Paulo, Martins Fontes, 2009, p. 411)

Assim, a linha mestra do livro é o desejo de cumprir sua promessa e encontrar os amigos de seu pai, por parte do Rei Caspian, e o desejo de navegar até o desconhecido, quem sabe até o país de Aslam, por parte do Ripchip.

Falando sério, qual seria a dificuldade de fazer o filme com esse enredo? Não sou cineasta, mas não vejo como um filme ficaria ruim ao deixar desejos tão elevados no centro da história.

Mas tudo bem, digamos que eu esteja errado e que realmente fosse necessário modificar o enredo. Vamos considerar isto como certo e tratar aqui de um problema um pouco mais profundo, os problemas na história causados pela forma como essa mudança foi feita.

1° - Aslam deixou de ser o centro da história, passando a ser aquele que pode ajudar quando é necessário, mas que pode muito bem ficar em segundo plano quando se persegue um objetivo maior (acabar com o "abominável mal da névoa verde"). Pergunto: foi intencional ou não?

- o Eustáquio na forma de dragão ocupou um espaço demasiadamente grande na história. Como seria necessário alguém para colocar as sete espadas sobre a mesa de Aslam, Eustáquio permaneceu como dragão por muito tempo, só voltando a ser menino próximo do momento de colocar as espadas sobre a mesa. Neste meio tempo, o dragão ajudou o Peregrino da Alvorada quando num momento sem ventos e também ajudou a todos quando a serpente marinha atacou o barco. Qual é o problema? O problema é que no livro a figura do dragão é usada como uma figura da vida longe de Deus, que só pode ser modificada através de um encontro real com o Grande Leão. No livro, esse é um paralelo claro com a experiência de conversão ao cristianismo. No filme, no entanto, ser um dragão é algo muito legal e muito útil para todos. Para que voltar a ser criança se como dragão eu posso voar, ajudar amigos e lutar contra serpentes? Mais uma vez: foi intencional ou não?

3° - como 'um abismo chama outro abismo', a infeliz modificação no enredo retirou da história um momento cheio de significado, que é a saída da Ilha Negra através da condução do próprio Aslam, que mostra o caminho ao se mostrar na forma de um albatroz (no filme a ilha simplesmente some quando as espadas são colocadas sobre a mesa). Uma omissão séria, ao meu ver, pois aqui temos mais um paralelo claro com o cristianismo, O significado deste trecho é muito claro, apenas Jesus Cristo pode conduzir alguém para fora da 'Ilha Negra', ou melhor, do 'Reino das Trevas', para utilizar o linguajar do apostolo Paulo. Agora, a pergunta que fica é: isto foi intencional ou não?

Por fim, mais um detalhe importantíssimo que, mesmo não tendo ligação alguma com a linha do enredo do filme, foi modificado lamentavelmente:
Aslam e o cordeiro: no trecho final da história, há o encontro das principais personagens com Aslam. No livro há um detalhe que deixa muito claro qual é a intenção do autor com Aslam. Que detalhe? Aslam aparece na forma de cordeiro, só se revelando como leão após a frase "em todos os mundos há um caminho para o meu país". Paralelo muito claro com o cristianismo que foi omitido no filme. Me diga, foi intencional ou não?

Por isso tudo que escrevi, acredito que quem adaptou o enredo para o cinema o fez com qualquer objetivo, menos com o objetivo de ser fiel ao sentido que C.S. Lewis queria dar à história. Lamentável...
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2 comentários:

  1. É isso aí Pedro! Concordo plenamente com você! Pra quem é fã de Lewis e conhece bem a série, sabe-se que o filme omitiu muito o sentido original do livro.

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  2. Exatamente Georgeton. Você conseguiu resumir em uma frase o que eu quis dizer com o post inteiro.
    Valeu! Abraço.

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